Sabe aquela ideia de que o papel das empresas se resume a gerar lucro a seus sócios? Já está superada. Em uma leitura do contratualismo mais moderno, vem se consolidando o entendimento de que o desenvolvimento empresarial, mesmo visando a geração de lucro e longevidade, deve estar alinhado com boas práticas de governança, sem se descuidar do contexto social e ambiental em que está inserido.
Sobretudo com o advento da governança corporativa, é inegável a crescente conscientização do mercado global quanto à necessidade da conciliação dos interesses dos diversos stakeholders, equalizando e confortando as necessidades não só dos sócios, como também dos funcionários, clientes, meio ambiente e demais membros da comunidade, ainda que não integrem propriamente a cadeia de consumo.
Neste contexto de diálogo entre os diversos grupos e setores da sociedade, o qual, em tese, deveria ser estruturado em pilares sólidos de transparência, equilíbrio e responsabilidade, surge, no início dos anos 2000, a pauta ESG (acrônimo da expressão em inglês Environmental, Social and Governance), relacionada a políticas de enfrentamento ou solução dos impactos sociais, ambientais e corporativos das operações.
Por motivos óbvios, o conceito é importante por dar luz a assuntos de tamanha relevância e, felizmente, vem ganhando tração no contexto corporativo brasileiro.
Contudo, como era de se esperar, nem tudo que reluz é ouro.
É cada vez mais comum a verificação de práticas que supostamente seriam pautadas em valores socioambientais, mas que, na verdade, não passam de estratégia de marketing ou mero engodo.
Certamente o leitor já ouviu falar de “greenwashing”, termo referente a vinculação falsa ou inapropriada de produtos ou medidas a questões ambientalistas, bem como em “bluewhashing”, quando a empresa tenta, de forma enganosa, apresentar-se compromissada com valores e responsabilidades sociais. Também são inúmeros os casos de companhias envolvidas em escândalos de corrupção que se diziam zelosas com o aspecto de governança.
Aliás, a sanha por surfar (indevidamente) o que está na moda é tanta que hoje cresce a figura do “innovation washing”, que é quando a firma se autointitula inovadora ou tecnológica quando, de fato, passa longe de ser.
Diante deste banho de mentiras ou aquarelas de falácias, é necessário perguntar se estas são apenas pequenas e toleráveis mentiras sob a ótica jurídica. Vale tudo sob o crivo do Direito?
A resposta é um retumbante NÃO.
Todo empresário ou gestor deve exercer suas atividades com ética, fidúcia, transparência e probidade, em conformidade com parâmetros justos e princípios vinculados à livre iniciativa e função social da empresa.
Mais que uma singela inverdade, a falsa postura ESG, por vezes, leva a empresa a caminho diametralmente oposto, eis que, não só falta com a verdade, como também descumpre requisitos básicos que deveria observar de caráter consumerista, concorrencial, trabalhista ou mercadológico.
A começar por nossa Constituição Federal, é inequívoco que a ordem econômica tem por finalidade assegurar a existência digna das pessoas e justiça social, razão pela qual o empresário tem a obrigação – e não a faculdade – de exercer a função que dele se espera, sobretudo quanto ao dever geral de cuidado de bens tutelados, como o meio ambiente, consumidor, trabalhador e direitos sociais, dentre outros.
Por outro lado, não se pode esquecer que nossa legislação infraconstitucional exige do gestor uma conduta proba, pautada na transparência, integridade, respeito e confiança com o outro, principalmente os hipossuficientes, como dispõe, por exemplo, o Código de Defesa do Consumidor.
É vedado o uso abusivo das informações, assim como a veiculação de conteúdo enganoso com intuito de ludibriar o destinatário da mensagem, de sorte que não se pode admitir que companhias “vendam” valores que não são efetivamente praticados ou, ainda, práticas socioambientais como se voluntárias e espontâneas fossem, quando na verdade decorrem de mera obrigação legal ou condição básica para sua operação.
A mentira enfraquece a livre concorrência, prejudica o indivíduo de boa-fé e nada contribui para o contexto de conscientização.
A bem da verdade, assim como honestidade deveria estar para o político, a ética, transparência e compromisso com os stakeholders não deveriam ser tratados como qualidade ou diferencial, mas como requisito mínimo. Afinal, a função social é elemento essencial à sua existência e importância no contexto corporativo.
De toda sorte, sendo ainda considerada como um plus, a responsabilidade socioambiental, que não pode ser tida como simples “selo de qualidade” (como já ocorrera com o ISO), só deveria ser objeto de intitulação própria ou autopromoção em hipóteses efetivamente genuínas, para não desmerecer e esvaziar o conceito.
A pauta ESG é temática de suma importância e merece a observância do mercado, a qual não pode ser usada inadvertidamente como instrumento raso de relações públicas ou valorização de marca, que só fazem desestimular e banalizar o assunto.