Cada vez mais utilizada, mas ainda muito pouco falada: esta é a Sociedade em Conta de Participação (SCP), opção muito interessante como veículo de investimento.
Pode parecer paradoxal, mas esta é a realidade deste tipo societário, ainda desconhecido para muitos empreendedores e empresas, que vem ganhando espaço no ecossistema das startups, agronegócio e mercado imobiliário.
A SCP funciona assim: duas ou mais pessoas se associam para desenvolver uma atividade econômica determinada, de forma simplificada e sem maiores formalidades, sem que haja a formação de uma pessoa jurídica. Nesse tipo de sociedade, apenas um dos sócios, chamado de sócio ostensivo, é responsável pela administração do negócio e pela relação com clientes, fornecedores e demais partes interessadas, enquanto os demais sócios, chamados de participantes ou investidores (historicamente, já chamados “ocultos”), apenas contribuem com recursos financeiros, bens ou serviços e recebem, em troca, uma parte dos resultados naquele determinado.
Para ficar mais claro, trago alguns exemplos práticos:
- Suponhamos que você tem uma construtora e um bom terreno com projeto aprovado para construção de um prédio, mas as linhas de crédito tradicionais estão com juros bem altos e prazo curto de pagamento. Em conversa com alguns amigos, que confiam em seu serviço, eles se dispõem a custear sua obra em boas condições comerciais, sem participar da gestão desta construção e venda das unidades. Neste contexto, é possível constituir uma SCP para viabilizar o projeto, em que sua empresa será a sócia ostensiva, responsável pela obra e venda dos apartamentos, e seus amigos serão os participantes, apenas investindo o dinheiro necessário para a construção do prédio, recebendo, de volta, um percentual do resultado financeiro do empreendimento conforme o ritmo de vendas;
- Vamos com uma segunda hipótese, um pouco mais complexa para também demonstrar sua aplicação. Imagine que você desenvolveu um método disruptivo de aplicação de fertilizantes por drones que pode impactar o mercado do agronegócio e, para tanto, precisa tanto dos equipamentos, quanto de fazenda para realização dos testes. Você já tem uma microempresa de fertilizantes, o conhecimento técnico e insumos para desenvolver o produto, mas não tem os componentes tecnológicos, em falta no mercado, e local para os testes operacionais para finalização do “MVP”. Você descobre um fabricante e fazendeiro que acreditam no seu projeto e querem participar dele como sócios participantes, inclusive trazendo novos clientes. É igualmente possível se organizarem em uma SCP, em que sua microempresa será a sócia ostensiva e ficará encarregada de gerir o projeto, enquanto os demais serão sócios participantes, fornecendo tão somente os componentes para equipagem dos drones, assim como a fazenda e serviço de prospecção de outros agricultores, respectivamente, recebendo, em troca, um percentual das vendas deste novo negócio ou, até mesmo, de uma parte sua empresa se assim ficar ajustado entre todos.
A SCP tem algumas vantagens, como a simplicidade na sua constituição e dissolução, a flexibilidade na definição das regras contratuais, a discrição na participação societária e o baixo custo operacional. Este modelo societário, diferentemente das conhecidas sociedades limitadas ou anônimas, não tem razão social, nome fantasia, tampouco patrimônio próprio ou capital social, sendo os bens e recursos empregados em seu negócio pertencentes a um ou outro sócio, conforme acordado.
Desde 2014, a SCP precisa ter um CNPJ próprio junto à Receita Federal, mas isso não altera a sua natureza jurídica nem a sua forma de funcionamento, continuando sendo uma sociedade empresária sem personalidade jurídica própria, que existe apenas entre os sócios e não perante terceiros. A SCP não carece de outras formalidades, tais como registro na Junta Comercial ou Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas, bastando um ajuste entre os pares, que pode ser até mesmo verbal, sem necessidade de publicidade.
Longe de ser um patinho feio dentre os tipos societários, a SCP carregava consigo alguns estigmas, inclusive no meio jurídico, que a tornavam um pouco esquecida dentre os demais formatos. Contudo, com o passar do tempo e até mesmo citação expressa em lei esparsa, como é o caso do Marco Legal das Startups (Lei Complementar nº 182/2021), a SCP vem ganhando luz e se tornando mais popular como uma valorosa e interessante opção para quem quer investir em um projeto específico, inclusive Investidores-anjo ou fundos de Venture Capital para aporte de capital em projetos inovadores, sem se envolver na gestão do negócio, interferir em sua autonomia ou, o mais importante, assumir riscos adicionais (jurídicos ou administrativos) além daqueles investidos.
A SCP, portanto, pode ser uma opção muito interessante, seja para quem deseja investir em um projeto ou empreendimento sem se envolver na sua gestão ou assumir responsabilidades perante terceiros, seja para o empreendedor que pode ter boas alternativas para financiar ou viabilizar seu negócio junto a fornecedores de insumos e prestadores de serviços.